domingo, 4 de junho de 2017

LINDINHA - PARTE 3

  CASO VIVENCIADO - LINDINHA       
 A situação torna-se caso de polícia:

   Dia 07

    A situação torna-se agora caso de polícia, com as iniciativas do Conselho Tutelar, abre-se um processo de apuração da denúncia, a mãe, eu e meu esposo somos intimados a depor.

No meu depoimento relato os acontecimentos em ordem cronológica e sou informada que o Ministério Público está a pedir informações sobre a Lindinha.

    No mesmo dia a tarde, a mãe nos liga desesperada, uma oficial de justiça acompanhada do Conselho Tutelar foi na escola e pegaram a Lindinha e estavam lá para levá-la a um abrigo. O juiz decidiu pela institucionalização da garota até que a família tivesse uma análise de profissionais, retirando a guarda de ambos os pais, pois entendeu que a criança estava em perigo. Reproduzo aqui parte da sentença que considero importante para nós estudantes de serviço social:

“Determino a busca e apreensão da criança, por oficial de justiça e entrega ao responsável pelo serviço de acolhimento. O mandato de busca deve ser acompanhado por conselheiro tutelar ou, ainda por profissional do setor técnico deste juízo observando-se os termos do Comunicado CGJ nº361/2017, zelando para que não seja o mesmo técnico responsável pelo estudo do caso, evitando que a medida interfira na relação a ser estabelecida com a criança...
 Efetivado o acolhimento, expeça-se guia de acolhimento institucional por meio do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
... Verifique a serventia junto ao serviço de acolhimento familiar (Família Acolhedora) sobre a existência de famílias inscritas que se disponham a receber a criança com guarda provisória, na impossibilidade, a criança será encaminhada ao acolhimento institucional na Casa... Certifique-se a Dirigente da entidade de acolhimento familiar e institucional a apresentar Plano Individual de Atendimento (PIA) em 45 dias, observado o exposto no §§ 4º. 5º e 6º do art. 101 do ECA, e determinando-se ao Setor Técnico deste juízo a realização do Estudo Social com os pais e membros da família natural ou extensa domiciliados nesta comarca com prazo de 60 dias, por se tratar de criança acolhida, observando-se a prioridade no cumprimento dos feitos em curso perante este juízo da infância e juventude.
Por se tratar de medida urgente destinada a assegurar os direitos de criança em passível situação de risco, o mandado de busca e apreensão de menor deverá ser cumprido por oficial de justiça plantonista.
Ciência do Ministério Público
Cumpra-se com Urgência

    E assim a Lindinha foi para o abrigo, fiquei sem acesso a ela por um bom período, até que autorizassem nossa visita a ela. Conosco ficou a mãe em grande sofrimento, para ela foi autorizado uma visita semanal de 15 minutos, e a instituição iniciou os estudos da família.

Dia 08
    Depois de muitas iniciativas da minha parte, consegui que autorizassem nossa visita e lá fomos nós vê-la, em uma manhã de quinta feira chuvosa e fria, passaram-se já quase 30 dias do abrigamento, o psicólogo da instituição primeiro quis conversar conosco e ouvir todos os relatos que Lindinha fizera a mim, e saber qual era o relacionamento que tínhamos com a família, ele relatou para mim que a Lindinha estava reproduzindo o comportamento que havia sofrido com as outras crianças, o que já esperávamos que acontecesse. Com ela ficamos bem pouco, quase 15 minutos, ela estava bem, porém os olhos apagados, mas quando brincávamos ela prontamente “acendia” revelando aquele sorriso encantador que lhe é peculiar.
    Passaram quase dois meses de abrigamento, e feito os estudos com a família a Justiça concedeu a guarda de Lindinha para uma das tias, com a qual ela está morando agora, frequentando a escola nos dois períodos, pois a tia trabalha. A mãe está só, pois o pai até hoje não deu notícia, no entanto ela não mudou do local o que não agrada o conselho e demais profissionais que estão no caso, pois parece refletir que ela aceitará o pai novamente caso ele volte.
    Nós continuamos em contato com a família, apenas com um pouco mais de afastamento da criança devido a tia estar com a guarda, mas já iniciamos relações visando não perder o relacionamento com  Lindinha.
    A família continua recebendo assistência psicológica por parte da entidade, a qual é responsável por acompanhar o caso até o juiz determinar.
    Olhando superficialmente toda a situação somo tentados em um primeiro momento a considerar a justiça fria e maldosa em tirar a criança da mãe, e punindo a criança, porém quando olhamos o caso como um todo, e a parte da sentença reproduzida acima, enxergamos claramente os direitos sendo efetivados e garantidos pela ação judicial.Palavras como PIA, Estudo social, Guia de acolhimento institucional, são instrumentos e documentos do serviço social em ação, provocados pela sentença.
    Da nossa parte, tomamos conhecimento do extenso histórico familiar que ela tinha nos serviços sociais da cidade, era atendida no CREAS e por lá recebia cestas básica e  inscrita no Programa Bolsa Família e recebia mensalmente a verba repassada pelo governo. Tinha agendamentos freqüentes com psicólogos, mas não aderia ao tratamento com faltas freqüentes, o pai recusava-se a ser avaliado e não comparecia nos agendamentos, no conselho tutelar eram alvos de denúncias anônimas por agressões e abandono, na delegacia há vários boletins de ocorrência que a mãe registrara contra o pai por agressão física, o perfil da família colabora contra ela; a mãe avaliada como uma mulher de temperamento passivo, não reagia às idas e vindas do marido, colaborando para que a Lindinha ficasse exposta ao agressor, e por isso ela é considerada pela justiça no processo de abuso sexual como negligente e precisou constituir advogado.
Este relato se constitui para mim como uma parte importante da minha história, na qual vivi as angústias de ouvir uma criança roubada de sua inocência, sua confiança depositada em minhas mãos. Olhar para a mãe e compreender a dor de sua alma, porém não saber se de fato foi conivente. Ver a falibilidade dos serviços de atendimento a famílias com laços fragilizados, os quais não puderam perceber os sintomas de uma criança vitima de abuso sexual.
    Agradeço a Jesus Cristo que me permitiu estar no lugar certo na hora certa e fazer diferença na vida de pessoas humanas com diretos humanos e conflitos humanos.
 E termino aqui meu relato, mas a história de Lindinha continua, agora sem abusos.

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